Privatização da <i>CGD</i><br>Um saque ao País

Jorge Pires (Membro da Comissão Política)

Depois da decisão de avançar com a privatização dos componentes do grupo ligadas à actividade seguradora (34% da actividade seguradora em Portugal) e da saúde (HPP), dinheiro que vai servir para a recapitalização do banco, o Governo do PSD/CDS-PP vem agora admitir, pela voz de um dos «ignorantes» mais bem pagos do País, António Borges, a privatização do único banco comercial que ainda está nas mãos do Estado.

A nacionalização da banca é um imperativo nacional

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O argumento oficioso avançado é de que o Estado precisa de vender para realizar capital e assim poder abater na dívida pública (na melhor das hipóteses poderá abater 2 a 3% do peso da dívida no PIB previsto para 2013), mas o verdadeiro objectivo imposto pela troika, apoiado pelos que em Portugal fazem coro com o Governo da direita, é retirar o Estado de mais um sector da economia.

A ser assim, num quadro em que está cada vez mais perto a decisão final sobre a criação da União Bancária com a supervisão do nosso sistema financeiro a ficar nas mãos de uma entidade supranacional, em que o BCE – que tem cumprido o triplo papel de embaratecer o refinanciamento do grande capital, de promover a dependência dos estados no seu financiamento face aos grandes grupos económicos financeiros europeus e de promover a sobre-exploração dos trabalhadores por via da cobertura da perda de poder aquisitivo dos salários pelo crédito – passa a ter a efectiva regulação da banca nacional, o País deixa de ter qualquer capacidade de intervir neste importante sector, nomeadamente uma intervenção directa no apoio à economia real, apoiando as micro, pequenas e médias empresas, mas também as famílias fortemente endividadas.

Intervenção que, mesmo com o Banco de Portugal a ter o papel principal na regulação da actividade bancária, não podia ser realizada por uma entidade que, particularmente a partir de 2007, nem sequer fez a regulação a que estava obrigada, tendo apenas garantido o refinanciamento dos bancos privados com dinheiros públicos e os mecanismos que permitem a estes bancos voltar às elevadas taxas de lucro.

Caso se confirme a privatização da CGD, estamos perante mais um saque ao erário público no valor de muitos milhares de milhões de euros, com o banco público a ser vendido, numa altura de profunda desvalorização dos seus activos devido à crise, por um valor correspondente a 50% do seu valor numa situação normal. A sua venda será, a concretizar-se, por um preço aviltado. O valor de referência do capital da CGD no primeiro semestre do ano era de 6,8 mil milhões de euros.

Não é por acaso que os banqueiros se apressaram a aplaudir tal intenção colocando-se na linha da frente para a aquisição do banco público, não fossem eles, mais uma vez, os grandes beneficiados no curto e no médio prazo com tal operação. Desta forma os predadores ficam ainda mais libertos para gerirem o agonizar das suas próprias vítimas – as micro, pequenas e médias empresas e as famílias.

Instrumento de desenvolvimento

Com mais de 1200 balcões e de 10 mil trabalhadores em Portugal e no estrangeiro, a CGD concentra mais de 25% da actividade bancária e dá um importante apoio à actividade exportadora e aos milhões de emigrantes portugueses que nos cinco continentes exercem a sua actividade profissional. Apesar de todas as dificuldades, nomeadamente uma gestão enfeudada aos interesses da política de direita, como quando colocou ao dispor dos especuladores financeiros muito dinheiro que deveria ter sido canalizado para o apoio à economia real, tem tido um papel importante no condicionamento da actividade da banca privada e como instrumento do Estado no apoio, aquém das necessidades, à actividade económica e às famílias.

A sua privatização, mesmo que em parte, a ser concretizada, é um crime contra a economia nacional que não pode deixar de ser combatido.

Com a nacionalização do sector financeiro em 25 de Abril de 74 foi salva a economia nacional e a banca pública, apesar da sabotagem, nos últimos anos antes das privatizações, assegurou o crédito às pequenas e médias empresas e às famílias e desempenhou um papel decisivo no desenvolvimento económico do País.

Com a privatização da banca pública nos anos 80, o País perdeu soberania, capacidade de intervenção, receitas orçamentais e a democratização do crédito sofreu entorses monumentais.

Hoje, no centro de uma crise que é sistémica, agravada com a transferência ao longo dos últimos anos de verbas colossais da esfera produtiva para a esfera financeira com a banca privada no epicentro da actividade especulativa, a solução para a crise passa por uma política assente em instrumentos de apoio à economia real, uma política de cedência do crédito, não especulativa, mas de apoio verdadeiro particularmente aos sectores produtivos, só possível colocando nas mãos do Estado o controlo público dos sectores estratégicos da economia. Um controlo público que contrarie a lógica da busca do lucro máximo ao serviço dos banqueiros e dos accionistas dos bancos e que esteja ao serviço do desenvolvimento do País. A nacionalização da banca e dos seguros é por tudo isto e cada vez mais um imperativo nacional.

 



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